O Uso de Inteligência Artificial no Cinema: Desafios Éticos e Jurídicos no Oscar2025

A utilização de inteligência artificial (IA) em produções cinematográficas tem se
tornado um tema central nas discussões sobre os limites entre tecnologia e arte. No
Oscar de 2025, dois filmes em destaque, “O Brutalista” e “Emília Pérez”, suscitaram
debates acalorados devido ao emprego de IA para modificar as vozes de seus atores
principais*


A temática da IA em produções audiovisuais tem sido alvo de diversas discussões
recentes. Em maio de 2023, o Sindicato dos Roteiristas da América (WGA) iniciou uma
paralisação que se estendeu por 148 dias, marcando a primeira greve da história
contra o uso de IA na indústria do entretenimento. Os roteiristas exigiam, entre outras
reivindicações, a regulamentação do uso de IA na criação de roteiros, temendo que a
tecnologia pudesse substituir o trabalho humano e comprometer a originalidade das
obras*


No Brasil, embora não tenha ocorrido uma greve de proporções semelhantes, o tema
também tem sido objeto de discussão entre profissionais do setor audiovisual. A
preocupação central reside na necessidade de estabelecer diretrizes claras que
garantam a proteção dos direitos autorais e de personalidade dos artistas diante do
avanço da IA na produção de conteúdo.


Esses movimentos refletem uma crescente conscientização sobre os desafios éticos e
legais impostos pela IA na criação artística, ressaltando a importância de equilibrar
inovação tecnológica com a preservação dos direitos dos profissionais da indústria.

O Uso de IA em “O Brutalista” e “Emília Pérez”
Em O Brutalista, dirigido por Brady Corbet, a inteligência artificial foi utilizada para
aprimorar a voz e a imagem dos atores, buscando uma performance mais autêntica e
impactante. Além disso, a tecnologia foi empregada para ajustar sotaques e até
mesmo na construção de cenários digitais, ampliando as possibilidades estéticas da
produção. O editor do filme, Dávid Jancsó, destacou a importância desse recurso para
a adaptação dos diálogos, especialmente em relação ao idioma húngaro.


Já em Emília Pérez, de Jacques Audiard, a IA teve um papel crucial na modificação da
voz da protagonista Karla Sofía Gascón. O software utilizado mesclou sua
interpretação vocal com a da cantora Camille, visando alcançar um resultado
específico para o personagem. Esse uso da tecnologia permitiu uma transição suave
entre as vozes, criando uma performance musical mais elaborada e adaptada às
exigências do filme.


Em ambas as produções, foi empregado o software ucraniano Respeecher,
especializado em inteligência artificial generativa de voz, para aprimorar as
interpretações dos atores. No caso de O Brutalista, a tecnologia foi essencial para a
modificação do sotaque húngaro dos personagens, garantindo uma pronúncia mais autêntica. O editor Dávid Jancsó comentou sobre esse processo, afirmando: “Sou
falante nativo de húngaro, e sei que é uma das línguas mais difíceis de se aprender a
pronúncia. Vindo do mundo anglo-saxão, alguns sons podem ser particularmente
difíceis”*
Por outro lado, em Emília Pérez, o Respeecher foi empregado para refinar o
desempenho vocal nos números musicais, proporcionando maior precisão na fusão
das vozes. No entanto, a utilização dessa tecnologia gerou debates sobre a
autenticidade das atuações e os limites éticos do uso de IA no cinema. Muitos
especialistas questionam até que ponto a IA pode interferir na expressão artística sem
comprometer a originalidade e a identidade dos atores*.

*UOL NEWS. Editor de um dos favoritos do Oscar admite que usou IA no filme. Disponível em
<https://www.uol.com.br/splash/noticias/2025/01/20/o-brutalista-ia.htm?utm>.
*ALMEIDA, M. INVEST NEWS. Hollywood encerra a primeira greve contra Inteligência Artificial
na história. Disponível em <https://investnews.com.br/economia/hollywood-encerra-a-primeira-
greve-contra-inteligencia-artificial-na-historia>.

*GABRIEL, C. CBM. Filme cotado a disputar Oscar usou IA para aprimorar voz e imagem.
Disponível em <https://cbn.globo.com/cultura/noticia/2025/01/20/o-brutalista-filme-cotado-a-
disputar-oscar-usou-ia-para-aprimorar-voz-e-imagem.ghtml>.
*ESTADO DE MINAS. “Emilia Perez” e “O brutalista” geram polêmica sobre o uso do IA no
cinema. Disponível em <https://www.em.com.br/cultura/2025/01/7039175-emilia-perez-e-o-
brutalista-geram-polemica-sobre-o-uso-de-ia-no-cinema.html?utm>.

Questões de Direitos Autorais e Direito de Personalidade
A intervenção da IA na modulação das vozes dos atores levanta importantes questões
jurídicas, especialmente no que tange aos direitos autorais e aos direitos da
personalidade.


De acordo com o artigo 5º, inciso XXVIII, alínea “a”, da Constituição Federal Brasileira,
aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de
suas obras. No contexto cinematográfico, a voz do ator é parte essencial de sua
performance, sendo, portanto, uma manifestação de sua personalidade artística. A
modificação dessa voz por meio de IA pode ser interpretada como uma alteração da
obra original, o que exigiria consentimento prévio do artista.


O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 11, protege os direitos da personalidade,
estabelecendo que são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária. A clonagem ou modificação da voz de um ator sem seu
consentimento pode configurar uma violação desses direitos, afetando sua integridade
e autenticidade artística.


Outro ponto é o da própria premiação de artistas cuja performance foi alterada com
inteligência artificial e sua comparação com performances que não o foram. Até onde
é possível a competição entre essas categorias? Como os artistas e a própria indústria
poderiam se adequar às questões de direito da personalidade e direito autoral nesse
contexto?


Conclusão
A incorporação da inteligência artificial (IA) na indústria cinematográfica,
especialmente na modificação de elementos tão intrínsecos quanto a voz dos atores,
exige uma reflexão profunda sobre os limites éticos e jurídicos dessa prática. É
imperativo que a indústria estabeleça diretrizes claras que garantam o respeito aos
direitos autorais e aos direitos da personalidade dos artistas, assegurando que a
tecnologia seja uma aliada na criação artística, sem comprometer a integridade das
performances humanas.


Além disso, surge um debate sobre os limites de utilização de IA na performance de
artistas e a necessidade de considerar novas categorias de premiação, reconhecendo editores e profissionais que utilizam softwares específicos que contribuem
significativamente para o resultado das obras.


Diante dessa nova realidade, é essencial estar preparado para negociações
contratuais que envolvam aspectos entre inteligência artificial e propriedade
intelectual. A atuação de um advogado especializado é fundamental para garantir que
os direitos dos profissionais sejam respeitados e que as inovações tecnológicas sejam
integradas de forma ética e legal. O advogado desempenha um papel crucial na
avaliação e identificação de ativos de propriedade intelectual, garantindo a proteção
legal adequada. Estratégias eficientes de proteção incluem o registro e manutenção de
direitos, implementação de fiscalizações e educação sobre a importância da
propriedade intelectual.


Além disso, a regulamentação das relações entre IA e os direitos autorais deve buscar
um ambiente normativo que promova a proteção pessoal e remuneração dos autores e
artistas, equilibrando a liberdade para atividades e pesquisas com a proteção dos
direitos fundamentais.


Portanto, a consulta a um advogado especialista é recomendada para assegurar que
as práticas envolvendo IA na indústria cinematográfica e demais produções sejam
conduzidas de maneira ética, legal e que respeitem os direitos dos profissionais
envolvidos.

Autora: Mariana Figueiredo

Imagem por Tayenne Cruz

Tag Post :
áudio, cinema, Direitos Autorais, emilia perez, filmes, Inteligência Artificial, o brutalista, oscar 2025, uso de inteligência artificial
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