Nos últimos dias, diversas notícias foram veiculadas sobre personalidades que tiveram de enfrentar sérios problemas relacionados à inteligência artificial (IA).
Destacamos dois deles: o caso de Scarlett Johansson, segundo o qual uma plataforma voltada à inteligência artificial supostamente utilizou uma voz extremamente similar à da atriz, após esta ter recusado uma proposta de parceria nesse sentido. E um outro caso de repercussão em que uma revista alemã publicou uma ‘entrevista’ com o heptacampeão de Fórmula 1, Michael Schumacher, gerada por meio de inteligência artificial, sem qualquer autorização, também.
Infelizmente, a verdade é que paira no ar um equivocado entendimento de que a internet compreenderia um espaço sem leis e que tudo que se encontraria ali inserido seria público. Ledo engano…
É certo que a IA vem para somar e trazer avanços significativos em diversas áreas, porém a sua utilização não pode ultrapassar direitos já estabelecidos, sobretudo direitos que são considerados personalíssimos como os direitos de personalidade, que incluem imagem e voz, mesmo enquanto ainda não possuirmos leis e regulamentações próprias que tratem especificamente sobre este tipo de tecnologia.
No Brasil, em que pese a respectiva regulamentação estar sendo discutida por meio do Projeto de Lei nº 2.338/2023, que tende a disciplinar o uso da inteligência artificial no Brasil), na hipótese de, por exemplo, estarmos diante de casos como os acima expostos, o direito de personalidade da pessoa humana deverá, sempre, ser preservado.
Em nossa Constituição Federal, referido direito se encontra inserido no artigo 5º, incisos X e XXVIII, que compreendem direitos e garantias fundamentais e preveem expressamente a inviolabilidade e a proteção expressa no que diz respeito à reprodução da imagem e da voz humana, sendo assegurado o direito à indenização tanto pelo dano moral, quanto pelo dano material em virtude de violações deste tipo.
O Código Civil, por sua vez, dedica um capítulo próprio aos direitos de personalidade. O seu artigo 12 indica a possibilidade de cessar a lesão aos referidos direitos, além de também determinar o pagamento de indenização em caso de violação. O artigo 20, por sua vez, dispõe expressivamente sobre a imagem da pessoa, repudiando a situação de suas utilizações atingirem ‘a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais’.
Ainda, é interessante notar que o referido diploma legal também se atenta aos casos que envolvam pessoas falecidas ou pessoas ausentes, hipóteses em que o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes – e, para o artigo 12, os parentes colaterais até 4º grau – estarão legitimados a realizar a defesa destes direitos.
Indo além, e fazendo um paralelo com relação à utilização de uma voz similar à de Scarlett Johansson – que não a dela própria-, a jurisprudência brasileira vem atuando no sentido de proteger a pessoa original da associação indevida, da indução ao erro e do próprio constrangimento que a presença de sósias/imitadores pode trazer.
Portanto, tem-se que aquele que se encontra em situação de violação de sua imagem ou de sua voz, possui o pleno direito de driblar esta situação seja no meio extrajudicial, por meio de notificações, seja no meio judicial, com a propositura de ações nesse sentido.
Para aqueles que pretendem utilizar tais direitos, por outro lado, necessária se faz a procura pelo consentimento expresso e documentado daquele, cuja voz ou a imagem serão reproduzidas e fixadas em uma nova obra, seja esta de cunho editorial, publicitário ou comercial.
Sobre os casos apontados no início do texto, é de se destacar, por fim, que Michael Schumacher receberá duzentos mil euros de indenização, enquanto Scarlett Johansson, em que pese não ter alcançado a confissão por parte da plataforma, obteve sucesso quanto à exclusão da voz que aparentemente se assemelhava à sua.
Autores: Ornella Nasser