Continua com relevância na imprensa, o tratamento dado às importações realizadas por alguns canais virtuais, junto a distribuidores fora do Brasil. Um dos aspectos é que algumas empresas “milagrosamente”, colocam, por exemplo, discos no nosso país, sem o pagamento dos impostos devidos, causando uma brutal concorrência desleal com os empresários que cumprem a lei.
O tema continuou ganhando repercussão, quando a mídia passou a publicar a intenção do Governo brasileiro em taxar grandes plataformas internacionais, como a Shopee, Ali Express e a Shein, que estariam despejando em nosso país milhões de artigos (principalmente eletrônicos e peças de vestuário), sem que houvesse o obrigatório e necessário recolhimento de impostos, o que vem causando imensuráveis prejuízos, principalmente, aos fabricantes nacionais legais.
A ideia do Governo, confirmada recentemente pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a taxação destas empresas, no momento da venda, ou seja, antes do envio dos produtos ao Brasil, o que denominou de “plano de conformidade”, ou “digital tax”. Segundo informações, a medida está em elaboração e será detalhada em breve. Importante frisar que aquelas encomendas enviadas de pessoa física, para pessoa física, com valor inferior aos U$ 50, continuariam isentas da taxação de impostos. Aliás, nada diferente do que já prevê a lei.
Em certa medida é compreensível que uma parcela da população que teve seu salário achatado nos últimos anos, pense inicialmente apenas naquilo que “seu bolso consegue comprar”, antes de compreender as consequências nefastas desta decisão. Desta forma, é preciso esclarecer à população que a taxação nada mais representa, do que o estrito cumprimento à lei, e a defesa da concorrência leal, afinal, em um país como o nosso, com uma carga tributária tão alta, não há como concorrer com produtos que chegam ao país, ou mesmo sejam aqui produzidos, sem o necessário pagamento de impostos.
Não à toa, algumas varejistas brasileiras, tradicionais do mercado de vestuário, apontam para o fechamento de diversas lojas e a dispensa de um número significativo de colaboradores, como nunca visto antes. Desde janeiro deste ano de 2023, sete grandes empresas do setor encerraram as atividades de mais de 110 pontos comerciais, com a promessa de fecharem outros cem. Somente no primeiro trimestre deste ano, o número de pedidos de falência, no segmento de vestuário, subiu 44% em relação ao mesmo período do ano passado…
A crise no setor de vestuário ainda assimila resquícios da pandemia, mas certamente, o maior inimigo ofensivo daqueles que agem corretamente é aquele concorrente que burla o recolhimento de impostos, ganhando vantagem significativa de mercado, ao vender os seus produtos a preços bem mais baixos e atrativos.
Segundo estimativas divulgadas pelo Fórum Nacional de Combate à Pirataria e Ilegalidades – FNCP, somente no ano de 2022, em 14 setores analisados, o mercado ilegal brasileiro movimentou algo em torno de R$ 400 bilhões; um número assustador. Somente o setor de vestuário, amargou uma perda de R$ 84 bilhões, um dos segmentos mais afetados pelas práticas ilegais.
E o pior, e mais preocupante, é que os consumidores brasileiros, em pesquisas realizadas, são contra a taxação destas plataformas estrangeiras, pois, a bem da verdade, além de estarem preocupados com os seus bolsos, não conseguem enxergar a extensão que esta concorrência desleal alcança em nosso país, como o desemprego de amigos ou familiares e a destruição lenta de nossa combalida indústria, que ano após ano, vem perdendo espaço no PIB brasileiro.
A sonegação de impostos, assim como a pirataria e o contrabando, acaba sendo aceita pelo brasileiro, que, ao olhar somente para o próprio bolso, opta sempre por produtos mais baratos, não querendo saber a sua origem. Mas ao mesmo tempo, de forma hipócrita, desfere ataques preconceituosos contra paraguaios, libaneses e chineses, colocando neles, as verdadeiras causas da ilegalidade dos produtos, que chegam ao comércio, quando sabemos que é o próprio consumidor, que faz as suas escolhas.
É hora de olharmos para os malefícios que os produtos ilegais causam ao país, assumindo um posicionamento de proteção e até mesmo de nacionalismo, àqueles que cumprem as leis, de proteção aos nossos empregos formais, e de negação àqueles que cometem condutas desleais, que acabam por causar o fechamento de fábricas, lojas e a dispensa de um sem número de trabalhadores.
Por isso, não há como deixar de apoiar a intenção do Governo brasileiro (que falha, ao fragilizar a fiscalização, enfraquecendo o seu quadro funcional) em taxar as plataformas estrangeiras que vendem e enviam os seus produtos para o Brasil, uma vez que aquelas que aqui estão, devem cumprir com estas obrigações. É (ou seria) o mínimo que se espera para que tenhamos igualdade de tratamento (a chamada isonomia), e assim, possamos tentar voltar a crescer como país e como sociedade.
Márcio Gonçalves, é advogado especializado em Tecnologia, Propriedade Intelectual e Direito Digital, Diretor Jurídico da Associação Brasileira de Licenciamento – ABRAL fundador do MG Advogados, Presidente do Instituto do Capital Intelectual – ICI, e autor do livro “A Pandemia da Pirataria”.
Autor: Marcio Gonçalves
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